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uma jovem de rosto magro, voz aguda tinha vinte e
cinco anos, mas aparentava quarenta. Cuidava da casa e da cozinha, costurava,
lavava, passava, sabia arrear um cavalo, engordar as aves de criação, fazer
manteiga e era fiel à patroa, que não era uma pessoa muito amável, Félicité aos cinquenta anos já não
aparentava mais idade nenhuma, era sempre silenciosa, com porte rijo e
gestos comedidos, funcionando de forma automática, como uma mulher de madeira.
Félicité não era inocente como as outras senhoritas, foi instruída pelos
animais e a razão e instinto de honra a
impediram de fraquejar.
Após se desiludir com Théodore, que a
propôs casamento, mas posteriormente casou-se com outra, Félicité pediu as
contas da granja em que trabalhava com a intenção de partir e foi em direção a
Pont-l’Êveque. Não sabia grande coisa, mas sua boa vontade e poucas exigências
comoveram sra. Aubain, que lhe deu emprego.
Logo no início, antes de se
acostumar, Félicité viveu numa espécie de tremor que lhe causavam “a classe da
casa” e a “lembrança do Senhor”. Cuidava dos filhos de sra. Aubain, Paul e
Virginie, um de sete anos e a outra com menos de quatro, pareciam-lhe formados
de uma matéria preciosa; Félicité
carregava as crianças nas costas, como um cavalo, até que foi proibida de
beijá-los o tempo todo por sra. Aubain. A doçura e graciosidade do ambiente e
das crianças dissiparam a tristeza de Félicité.
As crianças ganharam um presente de
Sr. Bourais, antigo procurador que geria as propriedades da sra Aubain, que
queria instruir agradavelmente as crianças e deu-lhes um atlas com gravuras que
representava diferentes cenas do mundo, antropófagos, com plumas na cabeça, um macaco raptando uma moça, beduínos no
deserto, uma baleia arpoada; que mostradas por Paul a Felicité, fora toda sua
educação literária.
Após saírem para a granja de
Geffosses, voltaram pelo pasto. Os bois
estavam estendidos pela relva e olhavam tranquilamente as quatro pessoas que
passavam. No terceiro curral, alguns se levantaram e se postaram em semicírculo
diante deles, Félicité disse-lhes para não ter medo e murmurando, afagou o
lombo do animal que estava mais próximo e este deu meia volta, os outros
imitaram. Depois de atravessar o pasto seguinte, ouviram um mugido formidável,
era um touro que o nevoeiro havia escondido. O animal avançou em direção às
duas mulheres, sra Aubain ia correr, mas Félicité a avisou para ir mais
devagar, a senhora não correu, mas continuaram apressando o passo e ouviam às
costas um resfolegar sonoro que se aproximava. Félicité se virou para o animal
e arrancava punhados de terra com as mãos e lhe jogava nos olhos. Ele baixava o
focinho, sacudia os chifres e tremia de fúria, mugindo horrivelmente. Sra.
Aubain estava na beira do pasto com as crianças e buscava desesperada um meio
de saltar o valado alto. Félicité
continuava a recuar, encarando o touro e não parava de jogar tufos de grama,
que o cegavam, enquanto gritava para a senhora e as crianças irem depressa. A
sra Aubain desceu a vala, empurrou Virginie, em seguida Paul, caiu várias vezes
tentando subir o talude até que conseguiu.
O touro havia encurralado Félicité numa porteira, sua baba salpicava o
rosto dela, um segundo mais e a estriparia. Ela só teve tempo de escapulir
entre duas estacas, e o animal, surpreso, parou.
Este acontecimento foi durante muitos
anos, assunto de conversa em
Pont-l’Êveque. Virginie, com o susto,
contraiu um distúrbio nervoso e o médico, Sr. Poupart, aconselhou os banhos de
mar em Tocqueville. A viagem foi longa e difícil.
Em Tocqueville, Félicité criou
afeição pelos Liébard, comprou-lhes um cobertor, camisas, um fogão;
evidentemente a exploravam. Essa fraqueza irritava a sra. Aubain, que de resto
não gostava das familiaridades do sobrinho, e como Virginie tossia e a estação já
não era tão boa, retornou a Pont-l’Évêque.
Sr. Bourais esclareceu-lhe sobre a
escolha do colégio. Paul foi mandado para o de Caen, que era considerado o
melhor, fez as despedidas brevemente, satisfeito de ir morar numa casa em que
teria companheiros.
A sra. Aubain resignou-se à partida
do filho, uma vez que era indispensável. Félicité tinha saudade do alvoroço,
mas distraiu-se levando Virginie todos os dias ao catecismo, esta que pensava
cada vez menos no irmão. Félicité, de
tanto ouvir, aprendeu o catecismo e imitou todas as práticas de Virginie.
A sra. Aubain queria fazer de
Virginie uma pessoa sofisticada e resolveu interná-la nas Ursulinas de Honfleur, a menina não se
opôs e Félicité suspirava, julgando a patroa insensível.
Virginie partiu, e Felicité não se agüentando de saudade,
entrava no quarto da menina todos os dias de manhã. Para se distrair, pediu
permissão para receber seu sobrinho Victor, que chegava as domingos e seus pais
sempre o encarregavam de arrancar alguma coisa de Félicité.
Nas férias, as crianças retornavam, o
que servia de consolo para Félicité, mas Paul se mostrou caprichoso e Virginie
não carecia mais ser tuteada, o que fora uma barreira para as duas.
Numa segunda feira, Victor anunciou
que entrara para um longo curso e que ficaria talvez dois anos fora de casa,
com isto, Félicité ficou desolada.
Tempos sem receber nada do sobrinho,
eis que Félicité recebe uma carta que dizia que este estava morto.
Depois, veio a notícia que Virginie
estava debilitada, Félicité e sra. Aubain foram as pressas ao convento,
Virginie acabara de partir. Félicité não abandonou o corpo por duas noites, repetindo
as mesmas preces, jogando água benta sobre os lençóis.
Félicité ganhou um papagaio da sra.
Larsonnière, chamava-se Lulu, que adoeceu, Félitié o cuidou, depois ele se
perdeu. Félicité custou a se recompor, em consequência de um resfriado,
desevolveu uma angima; pouco tempo depois, uma doença de ouvido. Três anos mais tarde, estava surda e falava
muito alto, mesmo na igreja. Lulu voltou para casa.
Em seu isolamento, Lulu era quase um
filho, um namorado. Certa manhã, Félicité o encontrou morto chorava
desconsolada e a patroa lhe disse para mandar empalhá-lo, assim o fez.
Chegando aos altos e Ecquemauville,
Félicité viu as luzes de Honfleur, que
cintilavam na noite como uma multidão de estrelas; o mar, mais ao longe,
espalhava-se confusamente. Então, uma
fraqueza a deteve; e a miséria da infância, a decepção do primeiro amor, a
partida do sobrinho, a morte de Virginie, como ondas de uma maré, voltaram de
uma só vez e, subindo-lhe à garganta, sufocaram-na.
Enfim, Lulu chegou e ela o trancou em
seu quarto.
Félicité, não comunicando com
ninguém, vivia num torpor de sonâmbula. Animava-se com as procissões de Corpus
Christi. Procurava as vizinhas, atrás de candelabros e capachos, para enfeitar
o altar que erguiam na rua.
Com a morte de Sr. Bourais, sra. Aubain
descobriu desvio de pagamento, vendas de madeira às escondidas, recibos falsos etc, além que Sr
Bourais tinha um filho natural e relações com uma certa pessoa de Dozulé. Essas
baixesas a afligiram muito e foi tomada por uma dor no peito, sua língua parecia
coberta de fumaça, as sangussugas não acalmaram a opressão; e ela expirou, aos
setenta e dois anos. Félicité a chorou como não se choram os patrões.
Tempos depois, Félicité adoeceu,
estava com pneumonia, como sua senhora e achava natural seguir a patroa.
Félicité lastimava-se de não fazer
nada pelo altar, até que resolveu colocar o papagaio.De vez em quando Félicité
falava com as sombras, seu delírio cedeu, pensando na procissão como se a
seguisse.
Naquela noite, um vapor azul subiu
pelo quarto de Félicité. Ela avançou as narinas, aspirando-o com uma
sensualidade mística; depois, fechou as pálpebras. Seus lábios sorriam. Os
movimentos de seu coração diminuíram um a um, cada vez mais vagos, mais suaves,
como uma fonte se esgota, como um eco desaparece; e, quando exalou o último
suspiro, ela acreditou ver nos céus estreabertos um papagaio gigantesco,
planando acima de sua cabeça.
Oi Ana! Fiquei muito afim de ler esse livro, só por ser do Gustave Flaubert já me chamou a atenção - não sei se tu já leu Madame Bovary que também é dele, eu li há um tempo e fiquei encantada, livro incrível. A história desse parece ainda mais densa, a personagem principal me chamou bastante a atenção. Vou tentar ler :)
ResponderExcluirbeijão
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